domingo, 16 de junho de 2013

Homem de Ferro e os 20 centavos



Para quem não viu Iron Man 3, cuidado! Contém spoilers!

Meu primeiro contato com o Homem de Ferro foi com os desenhos que passavam no Balão Mágico, inicio dos anos 80, na Globo. Bonecos estáticos que quase não se moviam e diálogos que ficaram definitivamente datados. Eu via muita TV quando era pequeno.


Mas nesses desenhos que me iniciei no Universo Marvel, conheci os Vingadores, Quarteto Fantástico, Hulk, Thor, Capitão America, etc.

Lá conheci também o Mandarim. De longe o melhor arquiinimigo do Homem de Ferro, com seus anéis mágicos e sua gana de poder.

Quando assisti ao primeiro Homem de Ferro, e vi os planos detalhes no anel do líder terrorista afegão, logo pensei num prólogo que nos levaria ao derradeiro vilão dos dez anéis num embate final.


Os anúncios da pré-estréia do terceiro filme pareciam cumprir com o prólogo imaginado. No início do filme, vemos Tony Stark ainda abalado com os eventos de “Os Vingadores”. Lidar com um deuses nórdicos, monstros, aliens e passagens espaços-temporais são demais para um mero ser humano numa armadura tecnológica. Vemos o herói invadido por ataques ansiosos de pânico, consciente da incapacidade de proteger completamente sua amada e entregue à insônia nervosa, completamente workaholic, trabalhando sem parar em evoluções de suas armaduras. Neste cenário surge a figura terrorista do Mandarim, tocando o terror e ameaçando-o completamente com uma nova arma inicialmente indetectável.

Mas o novo Mandarim não usa seus anéis mágicos. O novo Mandarim, descobrimos depois, é só um ator pirado brilhantemente interpretado por Ben Kingsley, usado como embuste por uma organização criminosa chefiada por um cientista (Guy Pearce) vingativo e alucinado. A prerrogativa não é nova. Precisamos dar uma cara ao terror, nomear um mal, para manter a população com medo e justificar a paranóia belicista que mantém a mil as indústrias de armas e as políticas de controle do cidadão, justificar o big brother e a necessidade de líderes paternalistas nos protegendo e guiando quando somos incapazes e ignóbeis.

Já vimos isso em “A Vila” de M. Night Shyamalan. Os líderes precisam manter seus dominados com medo e alienados para permanecerem manipulados, sob uma ordem estatizada. Também em “Watchmen”, o homem comum é visto como incapaz de se auto gerir devendo o poder ficar nas mãos de aristocracias auto intituladas sejam por quais razões o forem. Até a animação da Pixar que amo tanto, “Os Incríveis”, usa a idéia da ameaça estrangeira (ou alienígena) para justificar a carência por “heróis”. Em todos os exemplos, a ameaça real não vem de fora. A ameaça é um truque para justificar intenções de controle internas dos verdadeiros vilões, muitas vezes líderes patriotas, que se crêem mais capazes de decidir pela maioria, cheios de boas intenções, cujos fins justificam todos os meios. Algo assim vira e mexe acontece na nossa história, como quando aquele cara alemão teve a idéia de purificar a raça humana por exemplo. E a mãe Rússia, que em nome da igualdade de recursos, um fim tão nobre, matou milhares e manteve por décadas ferrenho controle da liberdade de expressão. E Obama que defende o american way of life vigiando todo o mundo nos nossos facebooks inocentes.

No Brasil?! Ah o Brasil! Terra maravilhosa de naturezas mil, população dócil e eternamente feliz. No Brasil cada vez mais a classe política não se envergonha de sua patologia sociopática endêmica, desviando verbas e permanecendo impune como reis, déspotas e coronéis, usando qual ideologia quiserem para se justificarem.  No Brasil a inflação, desconhecida de duas gerações, volta sorrateira, acirrando os preços, disfarçada de fartura das classes baixas, como se fosse um elogio a dita melhoria do poder de compra de um povo, eternamente inculto, mal educado e pilantra. Pilantra crendo-se esperto, em vantagem com as bolsas maravilhas e sem reais oportunidades de melhoria e mudança de vida, sem educação, sem formação, sem evolução.

O Brasil do esporte, onde só o futebol tem espaço na mídia, e há pouquíssimo incentivo a outras modalidades. Onde a Copa do Mundo tornou-se a copa mais cara da história.

O Brasil onde as escolas parecem prisões e ainda se discute se os professores merecem aumento. O Brasil de Juazeiro, onde houve decréscimo nos rendimentos dos docentes.

O Brasil da megalópole São Paulo, terra das oportunidades, onde milhares se amontoam e transitam como mortos-vivos, conformados com poluição, trânsito, violência, altos custos, síndromes do pânico e péssima qualidade de vida.

O Brasil onde crêem que não existe memória nem cultura, o Brasil que dizimou o Paraguai sob as ordens de Caxias, e que enfrentou a república em Canudos, interior da Bahia. O Brasil da Chibata. Das guerrilhas armadas da década de 60.

O Brasil de um povo que luta, luta, luta...  mas que parece não saber ainda pelo que realmente lutar.

O Brasil onde, quem diria, acharam que o povo não ia chiar com mais 20 centavos no orçamento.

Mas o grilo falante não me dá sossego, cochichando sem parar algo como “cada povo tem o governo que merece”.

Aí chegamos ao ponto. Vivemos um regime democrático onde nossos líderes são escolhidos pela maioria de votos. Isso significa que, se uma liderança partidária quiser se manter no poder – veja bem, eu disse PODER, pois quando um partido quer PODER, é porque ele já se esqueceu dos interesses da população que inicialmente representava – mas voltando, para manter-se no poder, a liderança partidária precisa da maioria dos votos. Aí começam os conchavos e manipulações, apelando para lobbys, megacordos partidários e trocas de favores, onde até lideranças de bairro recebem benefícios pessoais em troca de cartéis de votos. Deixam-se de lado os cidadãos, com direitos e deveres, e entram em cena os eleitores. Em sua medíocre ingenuidade, o eleitor procura por benefícios pessoais, que vão desde um auxílio social, quando não se encaixa no perfil, até um lugar mais favorável numa fila onde a princípio todos seriam iguais. A busca do benefício pessoal a qualquer custo faz o eleitor esquecer dos interesses do bem comum e da comunidade. Para levar vantagem, vota no vereador amigo. Para tirar um sarro, vota no deputado palhaço. Para ganhar um brinde, deixa de lado a lição de casa.

A Copa já está aí e o povo quer é se divertir. Quer ver os carrões e as cenas de ação dos filmes americanos. Imitar o american way of life mandando foto pro facebook pelo celular maneiro. E se aumentarem em mais vinte centavos a tarifa daquele ônibus sempre lotado, tudo volta a ser culpa do governo.

Não será tudo isso um embuste? Onde está o verdadeiro inimigo?

O inimigo está dentro de nós. Nosso lado imaturo que clama por paternidade eternamente delegando responsabilidades pessoais a entidades externas. Nosso lado mimado que procura algozes a fim de justificar a inércia na vida e o conformismo nos rumos. A vítima sacrifciosa que exige dos outros o que já poderia fazer por si.

Um povo maduro não precisa de líderes. Se auto gerencia. Todos têm consciência de que o bem para si envolve o bem de todos. E mantém investimento constante na ampliação de consciência e evolução pessoal.

Ampliação de consciência e evolução pessoal. Dá trabalho. E tudo isso começa com boas escolas. Gente lúcida escolhe melhor, age melhor. E sabe se representar melhor. Sem precisar de mascaras nem armaduras. "Não é o terno que faz o homem."