terça-feira, 11 de março de 2025

Brincar, viver e sonhar !


 


Clarêncio, o Otimista é uma série animada veiculada pelo Cartoon Network, criada por Skyler Page e produzida entre 2014 e 2018, com cerca de 130 episódios distribuídos em 3 temporadas.


Trata basicamente do cotidiano de um menino ingênuo e imaginativo, num ambiente e numa época que ainda permitiam brincar na rua, subir em árvores, colecionar insetos, conversar com estranhos sem medo e dar vida às fantasias.


Nostálgica e inteligente, faz referências à iconografia pop e exibe de modo suave e engraçado assuntos e situações que poderiam ser polêmicos.


Por exemplo, nada se fala do pai biológico de Clarêncio, mas junto com o menino e sua mãe vive Chadão, um outsider imaturo parecido com Homer Simpson. Nas nuances o entendemos como referência paterna, não a ideal, mas a possível.


De forma semelhante nos apresentam as famílias de seus melhores amigos. O selvagem e fiel Sumô vem de uma família humilde e numerosa, mas rica em valores. Já o excêntrico Jeff tem duas mães em união homoafetiva. Sem mimimi partidário, o cotidiano dessas famílias surge em suas diferentes matizes, naturalmente.


Recomendo assistir ao menos alguns episódios que considero os melhores, como “Os milhões do Clarêncio” (temporada 1, episódio 05), que traz uma verdadeira aula de economia e leis de mercado. Tudo começa quando Clarêncio questiona o método das estrelinhas usado como punição ou recompensa por sua professora durante as aulas. Revolucionário, o menino cria o dinheiro do Clarêncio, que distribui gratuitamente para todos, indiferente ao mérito, inflacionando o mercado das recompensas bioquímicas e causando uma verdadeira rebelião. Para mais que uma incitação à revolução socialista, gosto de usar este capítulo para exemplificar nossa economia de afetos, que acontece quando cultivamos autoestima e não dependemos mais dos valores estipulados pelos grupos, tornando-nos indiferentes às ameaças de rejeição e constrangimento que ocorrem quando destoamos do padrão.



Escola dos frangos da cavalaria” (temporada 1, episódio 26) é um episódio que se destaca por suas referências a clássicos das teorias de conspiração, como “Vampiros de almas” e suas refilmagens. Numa iniciativa curiosa, a escola de Clarêncio se submete ao patrocínio de uma rede de fast food e o que vemos aos poucos é uma sucessão de técnicas de lavagem cerebral e coação grupal que denotam cada vez mais o domínio das instituições sobre o livre arbítrio no melhor estilo illuminati. O clima lembra filmes de sessão da tarde como Criaturas (Critters, 1986), O enigma da pirâmide (1985) e Invasores de Marte (1986).



“Nos Sonhos” (temporada 1, episódio 49) é surreal, abordando temas como psicanálise e os conteúdos do inconsciente, enquanto retrata o fenômeno dos sonhos lúcidos. Chega a ser didático.



Faz-me lembrar de outra pérola que assisti recentemente pela Amazon Prime, a série de anime Ghost Hound. Fechada em 22 episódios, trata-se da adaptação de um mangá do mesmo nome onde três amigos passam por experiências extrassensoriais como sonhos lúcidos, viagens astrais, premunições, visões remotas, incorporações e outros fenômenos paranormais.



A consciência de que a realidade objetiva é apenas uma dentre as várias dimensões da existência, permite encarar a vida como um sonho.


Os contos zen budistas falam do monge que sonhou ser uma borboleta. Ao despertar, já não sabia mais se ainda era um monge que sonhara ser borboleta ou se era uma borboleta sonhando ser um monge.


Nos livros de Dom Miguel Ruiz isso que denominamos realidade é explicado como uma convenção social, um sonho coletivo que os toltecas chamavam de mitote. Nos sonhos lúcidos a plasticidade da matéria é um fato. Talvez um exercício para a manifestação de realidades fantásticas. A começar por “Os quatro compromissos”, somos convidados a despertar desse sonho coletivo e assumir a maestria pela criação e manutenção de sonhos mais encantadores, de uma vida mais maravilhosa.


O universo onírico é muito explorado nas premiadas produções dos Estúdios Ghibli.


Também no recente filme ganhador do Oscar de animação, Flow, somos convidados a sonhar acompanhando um gato e seus amigos numa jornada inesperada. Emoção e poesia em forma de imagens em ação.



Enfim, voltando ao Clarêncio, na 3a temporada o vemos incapaz de lidar com as mudanças e exigências da puberdade, denotando a inabilidade dos roteiristas em tratar assuntos mais densos com a mesma leveza e bom humor das temporadas anteriores, talvez devido a sombra do politicamente correto que já pairava no ar, ou simplesmente porque Clarêncio se recusa a amadurecer e acaba virando um menino chato. Ainda assim, recomendo.


Assistir as aventuras de Clarêncio é um exercício de brincar e sonhar.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Lançamento Oficial !!!

Marque na sua agenda!


Sábado, 22 de fevereiro de 2025, as 16h00


Na Livraria da Vila do Shopping Morumbi,

Pertinho da estação Morumbi da linha esmeralda,

grande lançamento!



Venha me dar um abraço, tirar uma foto comigo

e adquirir seu exemplar autografado!


🥰🙏🏼  


sábado, 25 de janeiro de 2025

Chico Bento e a DMT

 Assisti “Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa” e fiquei maraviado!

Sou um urbanóide paulistano, mas minha família paterna é de Pomerode, uma pequena cidade do interior de Santa Catarina. Na minha infância, havia a tradição de passarmos as férias na casa de meus avós. Lá, tomei banho de rio, pesquei na lagoa, comi butiá do pé e vi o céu estrelado. Com tios e primos vivi aventuras que a cidade grande não permitia.

Meus avós tinham um açougue e mercearia. Meu primo Denis costumava ajudar minha tia Dagmar a fazer as entregas e recebia gibis como pagamento. Quando eu estava por lá, ajudava também. Foi com incentivo da tia e do primo que tive meus primeiros gibis.

Mais que um passatempo, os gibis me ajudaram a estruturar o hábito da leitura. Assim que tive oportunidade imitei meu primo e pedi de aniversário uma assinatura de gibis da Turma da Mônica. Meu personagem preferido sempre foi o Chico Bento.



Quando assisti os primeiros trailers do filme, fiquei arrepiado. Gostei muito da primeira experiência realizada em “Turma da Mônica: Laços” (2019) e mantive a esperança de encontrar mais um trabalho de qualidade.

“Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa” é dirigido por Fernando Fraiha, um dos responsáveis pela premiada série da Netflix “Ninguém está olhando” (2019).

O enredo inicialmente nos apresenta às versões humanas das personagens do gibi e ao cotidiano bucólico da Vila Abobrinha, evoluindo para uma trama que valoriza temas como ecologia e vida comunitária em contraponto as ambições mesquinhas dos falsos progressistas. Tudo por que o pai do Genezinho quer arrancar a goiabeira do Nhô Lau para fazer uma estrada.

A ambientação é rica e exuberante, repleta de natureza e temas que remetem à vida na roça. Lembra-nos que crianças podem sim brincar e estudar sem a perturbação dos celulares.

Incomodei-me apenas com o velho problema de áudio que prejudica o cinema brasileiro. Algumas falas das personagens foram simplesmente incompreensíveis. A captação de som direto é sujeita a imperfeições que nem sempre a edição consegue resolver. Talvez valesse a pena o recurso da redublagem para melhorar a qualidade, ainda mais quando temos atores mirins usando o dialeto caipira.

Isso era tudo o que eu podia escrever sem revelar mais detalhes da trama. Se você ainda pretende ver o filme, pare por aqui.

ALERTA ! À PARTIR DAQUI, CONTÉM SPOILERS !

Chico Bento tenta todos os recursos para salvar a goiabeira do Nhô Lau, afinal, não se trata só de seu interesse pela fruta, mas de uma árvore com a qual tem uma ligação mística.



Então, no melhor estilo xamânico ou iniciático, acompanhamos sua viagem primal, sem auxílio de fitoestimolantes, quando Chico encontra o espirito da árvore nos recônditos da Terra. Primeiro ele se torna formiga, experimenta a comunhão do grupo, torna-se árvore e sente a comunhão da terra, transforma-se em pássaro e entra em comunhão com os céus, reintegrando suas sombras para só então ter a visão de conjunto que lhe proporcionará a solução de seu enigma. É preciso ver do alto para entender. Mas só quem vive o profundo pode ascender. Só os envolvidos podem se desenvolver. E o melhor símbolo para representar a união do céu com a terra, do zênite e do nadir, é a árvore. Sua copa e suas raízes nos ligam a tudo. “...Sobe da terra para o Céu e desce novamente à Terra e recolhe a força das coisas superiores e inferiores. Desse modo obterás a glória do mundo. E se afastarão de ti todas as trevas. Nisso consiste o poder poderoso de todo poder …” Não à toa era esse o símbolo do nosso saudoso colegiado.



Não estamos viajando na maionese ao encarar Chico Bento como um personagem místico. Maurício de Sousa abordou assuntos esotéricos e paranormais em diversas historinhas, muitas vezes com a profundidade de um iniciado.



Em entrevistas ele já deixou claro que se inspirou em si mesmo e em sua infância interiorana para criar Chico Bento. Aliás, é linda a homenagem que o filme traz, com uma breve aparição do Maurício, ao estilo Stan Lee.

Chico é o caboclo, influenciado pela mesa branca, pajelança, umbanda ou jurema, herdeiro das tradições de benzimento, meio malandro, mas de coração puro. O filme consegue trazer esse aspecto transcendente de forma natural, apresentando-nos à individuação como ela poderia acontecer, simples e livre de apelos artificiais ou ritos institucionalizados.



Nada contra a busca de estímulos, mas me preocupa a falta de contexto como as plantas de poder às vezes são tratadas. Estudos e práticas vêm demonstrando o potencial curativo da DMT e de outras substâncias capazes de expandir as percepções, seja de forma natural, a partir da ingestão de chás, plantas e cogumelos, seja a partir de sintetizados como LSD ou MDMA. Mas o uso recreativo pode levar a efeitos nocivos como fuga da realidade e dependências química ou psicológica. É preciso lucidez para evitar a banalização.

Até onde pesquisei, goiaba não tem DMT, mas a goiabeira do Chico é misteriosa… vá saber!

Nosso corpo produz DMT e ela parece estar associada às experiências transcendentes, mas não deveria ser encarada como a causa desses estados ou como um fim em si. Ela seria apenas o “veículo químico” das experiências. Para “ver além” a ciência teria que admitir a existência extracorpórea da vida e a permanência da consciência para além da matéria. Um espiritualista entende que a matéria é produto da consciência e não o contrário. Assim seria mais fácil compreender fenômenos como as dores em membros fantasma descritas por amputados por exemplo, ou o encontro com entidades extrafísicas troposféricas que se queixam de dores em órgãos, mesmo destituídas do corpo outrora adoentado. A realidade é um estado de consciência.

Alegro-me com filmes assim. Encantei-me também com outro filme de caráter iniciático, o ganhador do Oscar “O menino e a Garça” (Miyazaki, 2023), já disponível na Netflix.



Há alguns dias revi pela Amazon outro clássico da minha infância, uma produção de Copolla, “O Corcel Negro” (1979), e reencontrei o tema da reintegração psíquica através da amizade entre Negro e Alec. As majestosas cenas na ilha deserta ilustram a dança de reunião entre instinto e consciência que viriam a justificar o mito dos centauros.



Enfim, chega de divagar por hoje…

Assistam os filmes e me digam o que sentiram!