Para quem não viu Iron Man 3, cuidado! Contém spoilers!
Meu primeiro contato com o Homem de Ferro foi com os desenhos que passavam
no Balão Mágico, inicio dos anos 80, na Globo. Bonecos estáticos que quase não
se moviam e diálogos que ficaram definitivamente datados. Eu via muita TV
quando era pequeno.
Mas nesses desenhos que me iniciei no Universo Marvel, conheci os
Vingadores, Quarteto Fantástico, Hulk, Thor, Capitão America, etc.
Lá conheci também o Mandarim. De longe o melhor arquiinimigo do Homem
de Ferro, com seus anéis mágicos e sua gana de poder.
Quando assisti ao primeiro Homem de Ferro, e vi os planos detalhes no
anel do líder terrorista afegão, logo pensei num prólogo que nos levaria ao
derradeiro vilão dos dez anéis num embate final.
Os anúncios da pré-estréia do terceiro filme pareciam cumprir com o
prólogo imaginado. No início do filme, vemos Tony Stark ainda abalado com os
eventos de “Os Vingadores”. Lidar com um deuses nórdicos, monstros, aliens e
passagens espaços-temporais são demais para um mero ser humano numa armadura
tecnológica. Vemos o herói invadido por ataques ansiosos de pânico, consciente
da incapacidade de proteger completamente sua amada e entregue à insônia nervosa,
completamente workaholic, trabalhando sem parar em evoluções de suas armaduras.
Neste cenário surge a figura terrorista do Mandarim, tocando o terror e
ameaçando-o completamente com uma nova arma inicialmente indetectável.
Mas o novo Mandarim não usa seus anéis mágicos. O novo Mandarim,
descobrimos depois, é só um ator pirado brilhantemente interpretado por Ben Kingsley,
usado como embuste por uma organização criminosa chefiada por um cientista (Guy
Pearce) vingativo e alucinado. A prerrogativa não é nova. Precisamos dar uma
cara ao terror, nomear um mal, para manter a população com medo e justificar a
paranóia belicista que mantém a mil as indústrias de armas e as políticas de
controle do cidadão, justificar o big brother e a necessidade de líderes
paternalistas nos protegendo e guiando quando somos incapazes e ignóbeis.
Já vimos isso em “A Vila” de M. Night Shyamalan. Os líderes precisam
manter seus dominados com medo e alienados para permanecerem manipulados, sob
uma ordem estatizada. Também em “Watchmen”, o homem comum é visto como incapaz
de se auto gerir devendo o poder ficar nas mãos de aristocracias auto
intituladas sejam por quais razões o forem. Até a animação da Pixar que amo
tanto, “Os Incríveis”, usa a idéia da ameaça estrangeira (ou alienígena) para
justificar a carência por “heróis”. Em todos os exemplos, a ameaça real não vem
de fora. A ameaça é um truque para justificar intenções de controle internas
dos verdadeiros vilões, muitas vezes líderes patriotas, que se crêem mais
capazes de decidir pela maioria, cheios de boas intenções, cujos fins justificam todos os meios. Algo
assim vira e mexe acontece na nossa história, como quando aquele cara alemão
teve a idéia de purificar a raça humana por exemplo. E a mãe Rússia, que em
nome da igualdade de recursos, um fim tão nobre, matou milhares e manteve por
décadas ferrenho controle da liberdade de expressão. E Obama que defende o american way of life vigiando todo o mundo nos nossos facebooks inocentes.
No Brasil?! Ah o Brasil! Terra maravilhosa de naturezas mil, população
dócil e eternamente feliz. No Brasil cada vez mais a classe política não se
envergonha de sua patologia sociopática endêmica, desviando verbas e
permanecendo impune como reis, déspotas e coronéis, usando qual ideologia
quiserem para se justificarem. No Brasil
a inflação, desconhecida de duas gerações, volta sorrateira, acirrando os
preços, disfarçada de fartura das classes baixas, como se fosse um elogio a
dita melhoria do poder de compra de um povo, eternamente inculto, mal educado e
pilantra. Pilantra crendo-se esperto, em vantagem com as bolsas maravilhas e sem reais
oportunidades de melhoria e mudança de vida, sem educação, sem formação, sem
evolução.
O Brasil do esporte, onde só o futebol tem espaço na mídia, e há pouquíssimo
incentivo a outras modalidades. Onde a Copa do Mundo tornou-se a copa mais cara
da história.
O Brasil onde as escolas parecem prisões e ainda se discute se os
professores merecem aumento. O Brasil de Juazeiro, onde houve decréscimo nos rendimentos
dos docentes.
O Brasil da megalópole São Paulo, terra das oportunidades, onde
milhares se amontoam e transitam como mortos-vivos, conformados com poluição,
trânsito, violência, altos custos, síndromes do pânico e péssima qualidade de
vida.
O Brasil onde crêem que não existe memória nem cultura, o Brasil que
dizimou o Paraguai sob as ordens de Caxias, e que enfrentou a república em
Canudos, interior da Bahia. O Brasil da Chibata. Das guerrilhas armadas da
década de 60.
O Brasil de um povo que luta, luta, luta... mas que parece não saber ainda pelo que
realmente lutar.
O Brasil onde, quem diria, acharam que o povo não ia chiar com mais 20
centavos no orçamento.
Mas o grilo falante não me dá sossego, cochichando sem parar algo como “cada
povo tem o governo que merece”.
Aí chegamos ao ponto. Vivemos um regime democrático onde
nossos líderes são escolhidos pela maioria de votos. Isso significa que, se uma
liderança partidária quiser se manter no poder – veja bem, eu disse PODER, pois
quando um partido quer PODER, é porque ele já se esqueceu dos interesses da
população que inicialmente representava – mas voltando, para manter-se no
poder, a liderança partidária precisa da maioria dos votos. Aí começam os
conchavos e manipulações, apelando para lobbys, megacordos partidários e trocas
de favores, onde até lideranças de bairro recebem benefícios pessoais em troca
de cartéis de votos. Deixam-se de lado os cidadãos, com direitos e deveres, e
entram em cena os eleitores. Em sua medíocre ingenuidade, o eleitor procura por
benefícios pessoais, que vão desde um auxílio social, quando não se encaixa no
perfil, até um lugar mais favorável numa fila onde a princípio todos seriam
iguais. A busca do benefício pessoal a qualquer custo faz o eleitor esquecer
dos interesses do bem comum e da comunidade. Para levar vantagem, vota no
vereador amigo. Para tirar um sarro, vota no deputado palhaço. Para ganhar um
brinde, deixa de lado a lição de casa.
A Copa já está aí e o povo quer é se divertir. Quer ver os
carrões e as cenas de ação dos filmes americanos. Imitar o american way of life
mandando foto pro facebook pelo celular maneiro. E se aumentarem em mais vinte
centavos a tarifa daquele ônibus sempre lotado, tudo volta a ser culpa do
governo.
Não será tudo isso um embuste? Onde está o verdadeiro inimigo?
O inimigo está dentro de nós. Nosso lado imaturo que clama
por paternidade eternamente delegando responsabilidades pessoais a entidades
externas. Nosso lado mimado que procura algozes a fim de justificar a inércia na
vida e o conformismo nos rumos. A vítima sacrifciosa que exige dos outros o que
já poderia fazer por si.
Um povo maduro não precisa de líderes. Se auto gerencia.
Todos têm consciência de que o bem para si envolve o bem de todos. E mantém
investimento constante na ampliação de consciência e evolução pessoal.
Ampliação de consciência e evolução pessoal. Dá trabalho. E
tudo isso começa com boas escolas. Gente lúcida escolhe melhor, age melhor. E
sabe se representar melhor. Sem precisar de mascaras nem armaduras. "Não é o
terno que faz o homem."