Assisti “Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa” e fiquei maraviado!
Sou um urbanóide paulistano, mas minha família paterna é de Pomerode, uma pequena cidade do interior de Santa Catarina. Na minha infância, havia a tradição de passarmos as férias na casa de meus avós. Lá, tomei banho de rio, pesquei na lagoa, comi butiá do pé e vi o céu estrelado. Com tios e primos vivi aventuras que a cidade grande não permitia.
Meus avós tinham um açougue e mercearia. Meu primo Denis costumava ajudar minha tia Dagmar a fazer as entregas e recebia gibis como pagamento. Quando eu estava por lá, ajudava também. Foi com incentivo da tia e do primo que tive meus primeiros gibis.
Mais que um passatempo, os gibis me ajudaram a estruturar o hábito da leitura. Assim que tive oportunidade imitei meu primo e pedi de aniversário uma assinatura de gibis da Turma da Mônica. Meu personagem preferido sempre foi o Chico Bento.
Quando assisti os primeiros trailers do filme, fiquei arrepiado. Gostei muito da primeira experiência realizada em “Turma da Mônica: Laços” (2019) e mantive a esperança de encontrar mais um trabalho de qualidade.
“Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa” é dirigido por Fernando Fraiha, um dos responsáveis pela premiada série da Netflix “Ninguém está olhando” (2019).
O enredo inicialmente nos apresenta às versões humanas das personagens do gibi e ao cotidiano bucólico da Vila Abobrinha, evoluindo para uma trama que valoriza temas como ecologia e vida comunitária em contraponto as ambições mesquinhas dos falsos progressistas. Tudo por que o pai do Genezinho quer arrancar a goiabeira do Nhô Lau para fazer uma estrada.
A ambientação é rica e exuberante, repleta de natureza e temas que remetem à vida na roça. Lembra-nos que crianças podem sim brincar e estudar sem a perturbação dos celulares.
Incomodei-me apenas com o velho problema de áudio que prejudica o cinema brasileiro. Algumas falas das personagens foram simplesmente incompreensíveis. A captação de som direto é sujeita a imperfeições que nem sempre a edição consegue resolver. Talvez valesse a pena o recurso da redublagem para melhorar a qualidade, ainda mais quando temos atores mirins usando o dialeto caipira.
Isso era tudo o que eu podia escrever sem revelar mais detalhes da trama. Se você ainda pretende ver o filme, pare por aqui.
ALERTA ! À PARTIR DAQUI, CONTÉM SPOILERS !
Chico Bento tenta todos os recursos para salvar a goiabeira do Nhô Lau, afinal, não se trata só de seu interesse pela fruta, mas de uma árvore com a qual tem uma ligação mística.
Então, no melhor estilo xamânico ou iniciático, acompanhamos sua viagem primal, sem auxílio de fitoestimolantes, quando Chico encontra o espirito da árvore nos recônditos da Terra. Primeiro ele se torna formiga, experimenta a comunhão do grupo, torna-se árvore e sente a comunhão da terra, transforma-se em pássaro e entra em comunhão com os céus, reintegrando suas sombras para só então ter a visão de conjunto que lhe proporcionará a solução de seu enigma. É preciso ver do alto para entender. Mas só quem vive o profundo pode ascender. Só os envolvidos podem se desenvolver. E o melhor símbolo para representar a união do céu com a terra, do zênite e do nadir, é a árvore. Sua copa e suas raízes nos ligam a tudo. “...Sobe da terra para o Céu e desce novamente à Terra e recolhe a força das coisas superiores e inferiores. Desse modo obterás a glória do mundo. E se afastarão de ti todas as trevas. Nisso consiste o poder poderoso de todo poder …” Não à toa era esse o símbolo do nosso saudoso colegiado.
Não estamos viajando na maionese ao encarar Chico Bento como um personagem místico. Maurício de Sousa abordou assuntos esotéricos e paranormais em diversas historinhas, muitas vezes com a profundidade de um iniciado.
Em entrevistas ele já deixou claro que se inspirou em si mesmo e em sua infância interiorana para criar Chico Bento. Aliás, é linda a homenagem que o filme traz, com uma breve aparição do Maurício, ao estilo Stan Lee.
Chico é o caboclo, influenciado pela mesa branca, pajelança, umbanda ou jurema, herdeiro das tradições de benzimento, meio malandro, mas de coração puro. O filme consegue trazer esse aspecto transcendente de forma natural, apresentando-nos à individuação como ela poderia acontecer, simples e livre de apelos artificiais ou ritos institucionalizados.
Nada contra a busca de estímulos, mas me preocupa a falta de contexto como as plantas de poder às vezes são tratadas. Estudos e práticas vêm demonstrando o potencial curativo da DMT e de outras substâncias capazes de expandir as percepções, seja de forma natural, a partir da ingestão de chás, plantas e cogumelos, seja a partir de sintetizados como LSD ou MDMA. Mas o uso recreativo pode levar a efeitos nocivos como fuga da realidade e dependências química ou psicológica. É preciso lucidez para evitar a banalização.
Até onde pesquisei, goiaba não tem DMT, mas a goiabeira do Chico é misteriosa… vá saber!
Nosso corpo produz DMT e ela parece estar associada às experiências transcendentes, mas não deveria ser encarada como a causa desses estados ou como um fim em si. Ela seria apenas o “veículo químico” das experiências. Para “ver além” a ciência teria que admitir a existência extracorpórea da vida e a permanência da consciência para além da matéria. Um espiritualista entende que a matéria é produto da consciência e não o contrário. Assim seria mais fácil compreender fenômenos como as dores em membros fantasma descritas por amputados por exemplo, ou o encontro com entidades extrafísicas troposféricas que se queixam de dores em órgãos, mesmo destituídas do corpo outrora adoentado. A realidade é um estado de consciência.
Alegro-me com filmes assim. Encantei-me também com outro filme de caráter iniciático, o ganhador do Oscar “O menino e a Garça” (Miyazaki, 2023), já disponível na Netflix.
Há alguns dias revi pela Amazon outro clássico da minha infância, uma produção de Copolla, “O Corcel Negro” (1979), e reencontrei o tema da reintegração psíquica através da amizade entre Negro e Alec. As majestosas cenas na ilha deserta ilustram a dança de reunião entre instinto e consciência que viriam a justificar o mito dos centauros.
Enfim, chega de divagar por hoje…
Assistam os filmes e me digam o que sentiram!
3 comentários:
Tempos Bons❤️ As Pessoas Estão Perdendo As Essências, Como ensinar os filhos as Brincadeiras de Antigamente, Dar Livros , Gibis , Brinquedos Educativos . Hoje Tem Famílias Que Conversam só por Celular, Na Mesa Do Jantar, jantam Cada Um Com o Seu. Eu Ainda Sou Das Antigas, Adoro Comprar Livros De Papel, Músicas Antigas e Outra Coisas🙌 Parabéns 👏👏 Muito Sucesso 🙌🙌👏😘
Eu já subi em muitas goiabeiras e confesso que era muito divertido, a natureza está para o ser humano na mesma proporção que ele está com com ela. Quando eu trabalhava em Juquitiba, muitas vezes eu parava na estrada apenas para escutar o som da natureza e muitos já achavam que meu transtorno era sério kkkk
É bom que segue mais fiel aos quadrinhos, até personalidades deles. Os da Turma da Mônica achei que ficaram bem descaracterizados principalmente os visuais dele. Esse do Chico parece ser bom, explorar a simplicidade sem mostrar tecnologia já é um avanço. Abraços.
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