É possível ser senhor do próprio destino?
O ser humano tem por habito se gabar por sua capacidade de
raciocinar, sobrepondo-se aos outros seres e crendo-se espécie dominante deste
planeta.
Criamos ciências, economias, indústrias, religiões.
Mas somos realmente donos de nossas vidas?
Costumo dizer que somos frutos de pelo menos quatro forças
principais: genética, cultura, experiências pessoais e acaso.
A combinação destas forças tende a moldar nossa visão de
mundo e nossa maneira de ser.
Em nossa arrogância, nos cremos superiores, diferenciados
dos outros seres, como se fossemos senhores de nosso destino.
Mas pense bem: quantas vezes você não se frustrou por um
desejo não realizado?
Quantas vezes nos esforçamos e fazemos todo o visivelmente
possível para alcançar um resultado positivo num aspecto qualquer de nossas
vidas e o que encontramos é o amargo do fracasso?
Nossa ânsia de controle e poder sobre a vida é confrontada
por detalhes como o tempo, o espaço, a tecnologia vigente, o senso comum.
Não controlamos o transito na hora do rush, não controlamos
o clima na hora da chuva, não controlamos o medo na hora do assalto, não
controlamos a impotência diante da morte.
Somos formigas na teia do infinito, seguindo trilhas em
fila, de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Procurando viver ou
sobreviver, coletando, plantando, produzindo, inventando e iludindo. Sonhamos
com os bolsos cheios da grana, a mulher amada, a família perfeita. Filhos que
darão continuidade à corrida pela produtividade. De casa para o trabalho e do
trabalho para casa, seguindo trilhas em fila, como formigas na teia do
infinito.
Comparado à idade do planeta, somos apenas a mais recente
poeira, que em breve se esvairá com o vento das eras.
Poucos despertam sua consciência para algo mais substancial.
Percebo-nos muito mais marcados por determinismos do que
poderíamos querer.
Recentemente, brindei-me com o seriado Força da Vida,
veiculado algumas noites na TV Brasil. Trata-se duma produção da NHK (TV
pública japonesa) que percorreu vários cantos do mundo registrando imagens da
natureza com enredos justapostos pela teoria evolucionista.
O que descobri é que, com nossas pomposas articulações,
criando arte, ciência ou cultura, não fazemos mais que a luta pela perpetuação
da espécie, nada diferente de todas as outras espécies que co-habitam este
mundo. Somos, talvez, mais engenhosos.
Impelidos pelo determinismo biológico disputamos recursos e
melhores condições de sobrevivência com nossos adversários das diversas classes
de seres, principalmente com os da nossa própria. Daí as guerras.
A maneira específica como criamos estratégias para existir,
em grupos, transmitida pelas gerações, forma o que denominamos cultura.
Nascer brasileiro, com nossa história de país colonizado, já
carentes de auto-estima e pedantes com nossa própria origem, é outro
determinismo.
Somemos a maneira “subjetiva” de encarar as situações, nossas
experiências pessoais, e o acaso.
É muita ilusão crer que podemos controlar todas essas
influências, sobrepujá-las, com uma mente originalmente influenciada.
Aí chegamos ao ponto. Dificilmente somos puros em nossas
condutas e escolhas. Agimos guiados por uma mente fruto das forças do mundo. Uma
mente que tende, por impulso biológico de sobrevivência, a lutar para perpetuar
sua programação, como o computador HAL 9000 do filme Uma odisséia no espaço.
Para evoluir com dignidade, para a posse real de alguma
interferência genuína em nosso destino, é preciso confrontar essa programação
mental, a fim de permitir emanações espontâneas do fundo de nosso ser, daquele recôndito
que Jung chamou de Self.
... a base da imaginação é não ter imaginação, é conseguir romper com
tudo que é imaginário. A partir daí, pode-se fazer tudo o que se quiser.
Se não rompermos com o imaginário, ficaremos sempre na situação de um
parasita ...
(Jodorowsky, Alejandro – Psicomagia – Pág. 263-264)
A maneira como penso, imagino ou percebo minhas experiências
agora, não e neutra, mas impregnada de uma história micro e macro cultural,
influenciada pela biologia. Qualquer coisa que eu imaginar com esta mente vai
reproduzir aspectos dessa história, como um parasita. Nós não somos genuínos. Já
nascemos prisioneiros.
Nem teus desejos são verdadeiramente teus. Eis a chave da
propaganda.
Para libertar-se é preciso transcender a mente, superar os
limites das crenças ou programações pessoais, sobrepujar as influências familiares
e culturais.
Como
disse Pessoa:
O essencial é saber ver,
mas isso, triste de nós que trazemos a alma vestida,
isso exige um estudo profundo,
aprendizagem de desaprender.
Eu prefiro despir-me do que aprendi,
eu procuro esquecer-me do modo de lembrar
que me ensinaram e raspar a tinta
com que me pintaram os sentidos,
desembrulhar-me
e ser EU.
E só lembrando, a classe dominante em nosso planeta é a dos artrópodes...
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5 comentários:
Olá, Renato...
Ótimas reflexões... e esta sede de poder e controle que nos acompanha... merece atenção e reflexões... faz parte de nossa psiquê...
Um abraço e continue...
Kleber
oteatrodavida.blogspot.com
Belo texto!!
"o essencial é invisível aos olhos....é preciso saber ver com o coração".
bjus
Tais
Senhor do próprio destino...
Fazer uma redação usando o título deste artigo como base, e como resposta as suas explanações é
algo muito complicado. É bom nós dois termos paciência, e começarmos a escrever um livro de umas 1000 páginas no mínimo, afinal, esse é um assunto extremamente complexo, muito dificil de ser exposto em pouco tempo, e em tão breves linhas.
Fez uma ótima escolha, gostei muito mesmo, está parabéns. Realmente muito bom!
Entrar mais profundamente nesta questão é tão complexo quanto fazer uma viagem inter-estelar. Infelizmente,isso é para pouquissimas pessoas!
Perfeito!!! Disse muita coisa através de breves e curtas palavras. Gostei muito disso!
Um forte abraço!
Acho que a todo ser humano sabe de tudo isso, e por todos os motivos descritos não quer ver . Se não serei mais o meu discurso e o que acho que sou, o que serei eu?
Difícil...mesmo quem quer realmente ver é o tempo todo enganado.
Por exemplo, por que é que eu estou escrevendo aqui, se no meu discurso sempre digo que reprovo as relações virtuais?
Viva a terapia? Viva a análise.
O alimento do "brasileiro" deveria ser composto por arroz , feijão e terapia!
Acredito que a terapia deveria ser necessidade básica do cidadão!
Beijo e li o seu post todo, o que é difícil para mim!
Renato, tudo bem? Não sei se você olha mais aqui do no Face, mas te mandei uns questionamentos por lá...
Sou aluno do IS. Desculpa zoar o espaço de comentários aqui. Depois é só apagar. Um abraço.
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